O TEATRO DE VILLAVENTURA
LINO TIRA DE CENA O MODELO QUE FUNDAMENTA O ESTEREÓTIPO
A que serve o teatro de Lino Villaventura?
Assim como o teatro enquanto forma de arte, o teatro que Lino disponibiliza em qualquer palco que se instale, proporciona entretenimento, estabelecendo por meio da moda leituras que podem ser divertidas, emocionantes, engraçadas ou trágicas, permitindo que a plateia experimente uma ampla gama de emoções e se envolva com as histórias e os personagens apresentados no palco. Tais personagens, no entanto, exigem atenção e poder de abstração dos espectadores, visto que como no cinema mudo, seus gestuais e a atmosfera sonora do ambiente lhes servem para vocalizar as ideias de seu criador.
O teatro onírico de Lino, por meio de personagens e narrativas, permite viagens sensoriais a mundos desconhecidos até mesmo pelo artista. Em sua mais recente performance, Lino como um Julio Verne das modas, transporta a imaginação e o olhar para uma viagem ao fundo do mar, como se dentro do folhetim “Vinte Mil Léguas Submarinas, um novo capítulo em suas “Viagens Extraordinárias”.
Lino, a seu muito peculiar modo, ilustra o mundo abissal imaginado por Verne, colocando em cena esculturas de Demétre Chiparus (1886–1947) vestidas com as “peles” de peixes adaptados às profundezas abissais, enguias, lulas gigantes, plânctons, arraias, anêmonas colossais, seres maximalistas das profundezas adaptados à visão em condições de pouca luz, com seus corpos translúcidos ou nervurados. São costuras metafóricas sobre como a moda contemporânea, em sua crise de conteúdo, tem transformado tudo em entretenimento.
Mas em seu domínio estilístico, o teatro de Lino é uma forma de expressão artística que permite às modelos e aos modelos explorarem sua criatividade no palco, construindo na passarela um espaço em que a imaginação pode ganhar vida, por meio dos figurinos (ooops… já disseram por aí que moda não é figurino e passarela não é palco!), luz, música e performances, permitindo que artistas em cena compartilhem sua visão e talento com o público.
“O mar não apenas é o veículo de uma sobrenatural e prodigiosa existência, não apenas é movimento, é amor, é o infinito vivo".
(JULIO VERNE)
Lino não se deixa levar pela banalização da moda e prossegue no desafio de apresentar o seu melhor, fazendo o que sabe fazer de melhor: misturar materiais, criar volumes, esculpir corpos como um Chiparus contemporâneo. O romeno, grande paixão de Lino e nome ímpar da escultura Art Deco se considerava um pintor acima de um escultor. Nesse viés, penso que Lino pode ser considerado um escultor, mas do que um estilista. Lino, como Rodin, sabe compartilhar sua criatividade com a natureza dos materiais. "Os tecidos falam, têm vida. É preciso saber escuta-los", como ensina o mestre dos bordados e nervuras, auxiliado por seu fiel escudeiro Régis Vieira.
Mas, voltando ao teatro. Talvez a maior habilidade de Lino resida em criar empatia, pois ao retratar a autoexpressão humana, proporciona por meio de seu teatro, uma identificação da plateia com sua moda. Está na compreensão das motivações, desafios e emoções dos personagens a chave para o desenvolvimento de uma compreensão mais profunda e empática de diferentes perspectivas e realidades. Mas se o lugar para gerar essa empatia é a moda, o teatro de Lino é um convite para que as pessoas expressem sua individualidade e identidades. Independente de estarem vestidas com suas roupas ou não, a grande mensagem é que as pessoas podem comunicar quem são e como desejam ser percebidas pelos outros.
Sob essa perspectiva, Lino retira de cena um modelo singular e o risco de uma história que fundamenta o estereótipo, a principal tática presente no discurso da moda, que impede ao outro o jogo da alteridade.
Sem a moda de Lino, não haveria marcos monumentais no teatro das aparências. O gosto pelas viagens e o respeito sagrado pelas regiões desconhecidas da natureza se afirmam como passaporte para adentrar seu mundo abissal e íntimo. E como diz Verne, “a imaginação é capaz de levar-nos a mundos que nunca existiram, mas sem ela não vamos a lugar algum.”