O BANQUETE LIBERTÁRIO
OU COMO LINO FAZ DA VIDA UM LUGAR DE EXPERIMENTAÇÕES
Lino Villaventura fez a apresentação mais comercial de toda sua trajetória artística e nem por isso, menos brilhante ou mais fácil. Ao sair de sua zona de conforto onde habitam seres performáticos e cheios de drama para tornar acessível seu imaginário criativo, multidimensional e onírico, pode se tornar uma tarefa muito mais difícil. Mas Lino lida bem com dificuldades, basta observar sua trajetória como criador brasileiro de moda na labuta incorruptível de seu estilo há mais de 40 anos.
O mais interessante: estava tudo lá. O drama, os seres performáticos e o mundo habitado por heróis, heroínas, rainhas, viajantes do tempo e do espaço. Na arte, quando o artista obtém total controle sobre sua obra, ele sabe que pode deixa-la solta. Ela sabe o caminho de volta ao criador.
Outra vez fica explícito que não era desfile, assim como não são apenas roupas. É arte para vestir, onde os materiais exercem parte de uma autoria compartilhada e os corpos, milimetricamente redesenhados pelas fendas, recortes e dobraduras, são suportes que emprestam às roupas-objeto um protagonismo ímpar.
O espaço claro, a luz do dia, o deslocamento para um ambiente que lembra galeria de arte fez muito bem ao artista e à sua arte. Trouxe novas nuances e quebrou com o habitual clima noturno e suntuoso. Essa intimidade e proximidade são de extrema importância para um diálogo mais verdadeiro e simbiótico com as criaturas/criações de Lino.
Casulos, conchas, corais, insetos, lagartos, serpentes, sereias, dragões e os filhos da Lua… Onde termina a roupa e começa a fantasia? Para Lino essas fronteiras sempre foram borradas, a vida é um lugar de experimentações.
Nesses tempos em que o fazer artesanal, meticuloso e ancestral (nome que Lino deu à essa série) tem sido banalizado e o uso de resíduos tem se transformado em tendencinha e campanha de greenwashing, Lino se mantém firme em seu propósito maior: tecer com retalhos as tramas que dão vida à sua vida.
Em Lino é assim, a entrega é máxima, sem limites. Por trás de cada textura, uma nova dimensão pode ser aberta. Intuitivamente, a cada estação, Lino constrói espaços de partilha de sua sensibilidade convidando à uma jornada de autoconhecimento e abrindo espaço para a participação criativa eficaz de Regis Vieira, diretor de estilo da marca.
A porta está aberta para quem gosta de degustar a moda como um tratado complexo sobre as potencialidades da percepção humana, que muitas vezes, infelizmente, se encontra aprisionada por condicionamentos morais. A moda de Lino é um manjar libertário. Sente-se e saboreie.