COMO VAI VOCÊ, GERAÇÃO 2000?

Jackson Araujo
4 min readApr 18, 2024

O DESFILE DA AMAPÔ É DE GRANDE REFLEXÃO PARA O MOMENTO

Pitty Taliani e Carô Gold com o bonde da Amapô, na cena final de sua performance no Love Story | FOTO Zé Takahashi | Fotosite

Nunca essa pergunta pareceu tão pertinente quanto agora, em que a saudade de um tempo não vivido, faz com que as atuais hordas juvenis se dediquem a criar uma infinidade de hashtags para movimentar a falada “rede vizinha”, sinalizando tendencinhas comportamentais que muito tem a ver com aparência e muito-pouco-quase-nada com essência. #Y2K que se chama agora, né?

Pois bem. É nesse contexto volátil e superficial que aciono a pergunta-título, inspirada na indagação formulada em tom casual pelos curadores Marcus de Lontra Costa, Paulo Roberto Leal e Sandra Magger, em 1984, para batizar a exposição que referendou toda uma época nas artes visuais brasileiras, tendo como palco a Escola de Artes Visuais do Parque Laje, no Jardim Botânico do Rio. “Como vai você, Geração 80?”.

Aqui, a atualização da década na pergunta, diz respeito a uma geração de novos designers surgidos no contexto paulistano dos anos 2000, rompendo com a estética minimalista belga tão bem copiada nas passarelas locais.

Looks históricos da Amapô revisitados e reeditados com styling de Isadora Gallas | FOTOS Zé Takashi | Fotosite

Foi nesse contexto 2000 que a moda paulistana viu surgir a Amapô, de Pitty Taliani e Carô Gold, muito mais disposta a criar roupas com a cara de sua turma de amizades do que propriamente pensando somente em vender. Afinal é dessa atmosfera nefelibata que se constitui a juventude, sempre munida de coragem para se jogar no abismo criativo sem nem querer saber se haverá um anzol para içá-la de volta.

Com Pitty e Carô não foi diferente, ainda que no meio de toda liberdade criativa sem freios e coragem para colocar em cena o inesperado, a dupla tenha construído a calça jeans boca de sino e cintura alta mais desejada e copiada da história do jeans feito no Brasil, a famosa calça “empina bumbum”, bem ao habitual bom-humor da dupla.

Cada desfile sempre foi como uma escola de samba entrando na passarela: enredo, comissão de frente, trilha sonora, roupas-fantasias, óculos-alegorias, estampas-carro alegóricos… Tudo disparando um frisson na plateia que ao final aplaudia o show como se não houvesse amanhã. 10, nota 10.

Explosão de endorfina e confetes na performance da Amapô | FOTO Julia Magalhães

Talvez o sinônimo de Amapô seja arrebatamento profano, um estado profundo de êxtase movido pela energia underground do coletivo de amizades que sempre apoiou, colaborou e inspirou Pitty e Carô.

Amapô nunca foi uma marca de moda. Sempre foi uma plataforma de experimentações artísticas. Como na famosa exposição de 1984 já citada, em Pitty e Carô está tudo aí pra quem quiser ver: “todas as cores, todas as formas, quadrados, transparências, matéria, massa pintada, massa humana, suor, […] radicais e liberais, transvanguarda, punks, pós-modernos, neo-expressionistas…”.

Diferentemente das modas dos anos 1990, que se movimentavam no sentido de dar ao estilista o poder do empresário dono do mundo, jovens artistas da moda da geração de Pitty e Carô investiam no presente, no prazer, nos materiais experimentais, realizando suas obras vestíveis sem a preocupação da aprovação da crítica de moda, nem almejando uma fama vindoura.

A nova geração da constelação Amapô | FOTO Julia Magalhães

Coincidentemente, ou não, muitas, ou quase todas as pessoas da Geração 2000 na moda partiram para as artes visuais em seus múltiplos interesses de linguagens, suportes e experimentações. É verdade que quase ninguém dessa geração seguiu nas modas e chegou a enfrentar o mundo pandêmico, modificado irrestritamente em suas formas de amar, consumir, viver e vestir.

Mas é dessa matéria-prima da resistência que Pitty e Carô sempre se alimentaram. O humor, a vida social e o interesse pelo poder narrativo das imagens são assinaturas de seu trabalho. A ressignificação do artesanato, da costura e das modelagens muito amplas ou justíssimas atestam seu estilo libertário. Ou seria libertino? Chama atenção também a diversidade de materiais utilizados, lantejoulas, acrílicos, índigos e tudo o mais que puder transmitir um astral neopop, iridescente, escultórico, quase 3D bem antes da AI.

E é com esse firmamento que a dupla constrói seu novo enredo: uma história de amor feita das memórias que povoam com cheiros e maneiras um guarda-roupa, acervo e arquivo vivo de toda sua geração.

Eli Sudbrack, Carlinha e Fabio Kawallys como as notas de uma sinfonia de amor em technicolor | FOTO Julia Magalhães

Por entre as araras que desenham essa espécie de auto-homenagem, há a homenagem a muitos nomes que são impossíveis de listar, mas que ecoam como as doces notas de uma sinfonia de amor: Jamal, Liana, Fabio, Juliana, Leandro, Dudu, Kleber, Vanessa, Eli, Carla, Rita, André…

E pra quem acha que a Geração 2000 não passa de uma hashtag, atenção bichas, lésbicas, não-bináries, senhoras, senhores, gente CIS e travestis! O desfile-performance da Amapô no ambiente da Love Story entra para a história das modas brasileiras contemporâneas como um marco significativo de uma nova atitude: a reedição modificada de seus principais looks. De grande impacto e reflexão para o momento.

O desfile-performance da Amapô no ambiente da Love Story entra para a história das modas brasileiras contemporâneas como um marco significativo de uma nova atitude: a reedição modificada de seus principais looks. De grande impacto e reflexão | FOTO Julia Magalhães

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