ARTE POLÍTICA COSTURADA

Jackson Araujo
4 min readFeb 2, 2022

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DOUGLAS CARLOS QUESTIONA PADRÕES RACIAIS COM RETALHOS

Douglas Carlos da Silva: arte têxtil em camadas de complexo significado social e identitário. FOTO | Divulgação

No atual contexto de reflexão sobre o papel da moda sob medida e do fazer manual como estratégias de fortalecimento de práticas menos agressivas à Natureza — isso tudo fortalecido por tempos de isolamento, distanciamento, desaceleração e reflexão promovido pela primeira grande pandemia do século 21 — , holofotes são direcionados sobre a arte têxtil, revelando novos talentos como o de DOUGLAS CARLOS DA SILVA.

Essa busca contemporânea por novas maneiras de reinventar as habilidades manuais coincide com a realidade urgente de uma produção mais lenta, personalizada, que respeita as técnicas ancestrais de costura, bordado, tapeçaria, crochê, tricô, em contraponto aos excessos banais do fast fashion e do descarte irresponsável de resíduos têxteis, como recentemente escancarado nas imagens desoladoras do Atacama, mais precisamente na região de Alto Hospício, onde 59 mil toneladas de roupas, que chegam em containers, são jogadas no deserto a cada ano.

“Minha pesquisa artística tem como campo de interesse a problematização do corpo, sobretudo negro, e os padrões de beleza calcados em uma referência branca e europeia”.

O desenho de Douglas a partir de resíduos da indústria da moda e outros materiais banais. FOTO | Divulgação

Assim, é importante compreender as atividades artísticas que reaproveitam resíduos têxteis como importantes ações de micropolítica, trazendo em seu bojo questionamentos, reflexões, brechas para “comunicar camadas complexas de significado social e político, em temas que abordam a identidade e a cultura”, como bem observa a curadora Carollina Laureano, ao escrever sobre a arte de Douglas.

Ele faz da máquina de costura, linhas e reaproveitamento de retalhos suas ferramentas de construção de um imaginário inédito dentro da indústria que o formou como designer e modelista.

O uso de resíduos de tecido jeans na arte têxtil de Douglas. FOTO | Divulgação

A ARTE TÊXTIL

O amplo espectro da arte têxtil contempla técnicas de tingimento e impressão, bordados, tecelagem e rendas, métodos de construção –costura, tricô, crochê e alfaiataria– feitos em tear e agulhas de costura, técnicas de quilting e plissado, resultando em objetos confeccionados, tapetes, kilims, panos e colchas.

Quando se fala sobre arte têxtil, historicamente se compreende as técnicas de tapeçaria, bordado e costura associadas ao fazer artesanal feminino realizado no ambiente doméstico, tratado habitualmente com certo desprezo, relegando essa produção ao lugar do ofício de grupos minorizados, em descompasso com uma perspectiva asiática onde a divisão arte / artesanato tradicionalmente nunca existiu.

Arte têxtil de Douglas: um pouco de Picasso, um pouco de Basquiat. FOTOS | Divulgação

Mas a arte têxtil contemporânea tem atribuído outros sentidos a processos e materiais, certamente fruto das experimentações pioneiras realizadas no ateliê de tecelagem da Bauhaus, Escola de Arte criada em 1919, pelo arquiteto Walter Groupius, resultando em tapeçarias que exploravam novas técnicas, abstrações e cores, como atestam as obras das artistas Gunta Stölzl, Anni Albers, Otti Berger e Margarete Köhler.

Detalhe de retrato de Douglas Carlos da Silva. FOTO | Divulgação

Já as obras têxteis contemporâneas constroem atravessamentos com outras linguagens e suportes, utilizando linhas, agulhas, e tecidos, como é o caso de Douglas com construções prontas para ocupar galerias e museus de arte em sua exploração de novos sentidos plásticos e poéticos. O resultado é visceral e transita entre a pintura cubista de Picasso, o remendar tradicional do sashiko japonês, a crueza do graffiti de Basquiat e os patchworks de retalhos do agreste pernambucano, sua terra Natal.

Detalhe de retrato de Douglas Carlos da Silva. FOTO | Divulgação

Douglas Carlos da Silva, 33, possui formação interdisciplinar nas áreas de moda e design gráfico. “Minha pesquisa artística tem como campo de interesse a problematização do corpo, sobretudo negro, e os padrões de beleza calcados em uma referência branca e europeia”, conceitua. “Meu trabalho transita entre o universo têxtil e o desenho feito a partir de resíduos da indústria da moda e outros materiais banais. Quase sempre trabalha a partir da figura humana, para então distorcê-la”. Ele vive e trabalha em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Detalhe de retrato de Douglas Carlos da Silva. FOTO | Divulgação

Sua primeira exposição foi realizada, “À Mão”, foi realizada em agosto de 2021, na loja da marca mineira Coven, especializada em technotricô, onde Douglas trabalha, sobre a qual, a curadora Carollina Laureano escreveu:

“Ao ressignificar o uso do tecido como base para criação de suas obras, o artista também subverte uma lógica de padrão vigente sobre corpos que sempre estiveram à margem. Douglas recria corpos desconstruídos e reconstruídos que questionam um único padrão de beleza tido como aceito. Trabalhando com sobreposição de camadas, para construção de seus corpos, o artista evidencia nesse processo as ambiguidades que carregamos enquanto construção social e identitária”.

A arte têxtil de Douglas extrapola os limites da moldura tradicional. FOTOS | Divulgação

Em busca de uma galeria que o represente, Douglas comercializa suas obras de maneira independente por DM em seu perfil no Instagram @douglascarlosarts ou pelo email douglas@douglascarlos.com.br. Para conhecer mais de sua arte têxtil, clique aqui.

Douglas Carlos da Silva e seus retratos em arte têxtil. FOTOS | Divulgação

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Jackson Araujo