A RUA DE MAXWELL ALEXANDRE
ARTISTA CONFERE SENSIBILIDADE E BELEZA A PESSOAS MELANIZADAS
Adentrar o espaço da exposição “Novo Poder: passabilidade”, do artista carioca Maxwell Alexandre, pode levar a muitas reflexões.
Sobre a exposição em cartaz até 29 de setembro, no Sesc Paulista, pode-se dizer que entre muitos atributos, ela tem o poder de despertar a consciência do espectador sobre o racismo estrutural, que ali é desconstruído criativamente pela “caminhada segura e tranquila de corpos negros pelo cubo branco, este cumprindo a representação de um sistema de arte permeado de eurocentrismo, elitismo e violências contra algumas pessoas — dentre as quais as negras”, como coloca Luiz Deoclecio Massaro Galina, diretor do Sesc São Paulo, no texto de apresentação da exposição. Ainda segundo ele, o que “está em jogo é este novo poder: pertencimento, permanência e prazer”.
Formata-se, então, um convite para reflexão sobre como a potência da arte de Maxwell Alexandre tem construído um ambiente de representatividade positiva para as novas gerações, que seguem inspiradas e seguras a fazer parte de uma realidade pautada pelos discursos e práticas da negritude. “Há identificação e projeção poderosas; toda a constituição corporal e mental do criador se torna o terreno da obra” (PALLASMAA, 2011, p. 11).
Na exposição, o artista aproxima moda e arte como “dois campos da cultura hegemônica ocidental que se consolidaram a partir da modernidade, cada um com suas especificidades, tendo como ponto em comum a forte influência que ambos exercem na construção de distinções sociais”, como destacado noutro texto apresentado no catálogo.
Torna-se importante reforçar que, por sua vez, a sociedade, em sua tradição conservadora, exclui e interdita diariamente sujeitos, por sua identidade étnico-racial e condições socioeconômicas. E a moda, reflexo do comportamento em sociedade, empenha-se em reforçar padrões de aparência e gosto. Criou o vício em observar o outro por meio da conexão com as aparências recíprocas, constituindo-se, assim, um aparelho de gerar juízo estético e social (LIPOVETSKY, 1989). Pois, tendo sido o primeiro grande dispositivo a regular aparências, estetizando e individualizando a vaidade humana, faz do superficial um instrumento de salvação e uma finalidade da existência, sob a perspectiva colonial excludente.
Ao se observar a produção cultural de arte de Maxwell Alexandre, colocando corpos negros em lugares de poder e tomada de decisão coletiva, identifica-se sua potência criativa transformadora frente ao ciclo de racismo que tem sido perpetuado nas estruturas históricas brasileiras.
Se é na integração do consciente, do sensível e do cultural que se baseiam os comportamentos criativos do ser humano, parece perceptível que esse deslocamento dos sujeitos periféricos proposto por Maxwell — processo político de ruptura com a exclusão social e subordinação à hegemonia ainda vigente na arte e na moda — encontre no vetor cultural e artístico a gênese do processo criativo, para a organização social e política dos sujeitos subalternizados, promovendo alternativas para desafios históricos da população negra brasileira.
No recorte da moda, sobre sua colaboração com a estilista Angela Brito em sua mais recente coleção, o artista declara:
“Meu interesse em moda é antigo, perpassa minha vida e, evidentemente, a minha obra. Ao meu ver, tanto a arte quanto a moda são duas plataformas que oferecem autoestima e dignidade ao indivíduo, mas que, ao mesmo tempo, subjugaram e sub-representaram certos tipos de identidades. Os dois campos reforçam e mantêm a distinção e o prestígio social de certas castas”.
Sobre a colaboração, pode-se afirmar que Angela e Maxwell usam sua criatividade para enriquecer o desfile com atuação política, a partir da mobilização de diversas linguagens, objetos culturais, histórias e experiências, a serem observados na coleção e nas quatro peças estampadas com pinturas do artista, inspiradas em herança ancestral e nas ruas como espaço de conquista da igualdade racial.
Em sua busca sobre novas formas de interação pautadas pelo respeito, empatia, complementaridade e alteridade, a exposição de Maxwell comunica o discurso das subjetividades negras, tocando em suas epistemologias e geografias, que sempre estiveram associadas a um contexto violento de marginalidade.
Pode-se dizer que há o intuito é estimular reflexões sobre novos usos e interpretações de matrizes do pensamento negro, permitindo, assim, a formação de novas redes intelectuais na produção do conhecimento etnográfico, reverberando em configurações de identidade e pertencimento.
Nesse contexto de ruptura com o estabelecido, "Maxwell construiu toda a semântica de seu trabalho […] com materiais menos tradicionais da história da arte, dentre eles a tinta látex de parede, o polidor da sapatos e o relaxante de cabelo, o henê" , além do próprio uso do papel pardo, o artista declara: "Acho importante reforçar que essa decisão estética e o gosto por esses materiais não foram pensados conceitualmente, foram eleitos pela necessidade".
E é ocupando esse lugar de transgressão, que o artista se exercita, fortalecendo a ideia de que “tanto a moda quanto a arte se apresentam como um desafio à ideia colonial de que sensibilidade e beleza são elementos que não pertencem a pessoas melanizadas”.
As pessoas que caminham pelo cubo branco da galeria, pintadas pelo artista como se desfilassem numa passarela, podem ser vistas em seus deslocamentos pelas ruas — seja da periferia, seja de centros urbanos pelo mundo–, sem medo, pois suas agências políticas foram construídas e são afirmadas no afeto e no compartilhamento mútuo de subjetividades por meio dos encontros e da heterogeneidade em contraponto à homogeneidade dos espaços de exclusão, como galerias e lojas de grifes, territórios detentores da renda e do poder que segregam o espaço urbano.
É assim que Maxwell transforma o ambiente da galeria em lugar antropológico, onde a presença de relações humanas, de práticas culturais e de identidades atribuem significado e valor a um determinado espaço, que no caso da exposição, pode-se vislumbrar que é a rua.
Sendo assim, na exposição de Maxwell, o lugar antropológico — a rua reconfigurada na galeria — pode ser visto como um espaço de afirmação e resistência cultural, que busca romper com os padrões estéticos hegemônicos e valorizar a diversidade, permitindo às pessoas negras que circulam,
[…] se reconhecerem étnica e culturalmente e projetarem suas experiências cotidianas na cidade, através da atividade artística. […] reforça a ideia nos jovens de “pertencimento” quando suas subjetividades passam a definir suas posições no mundo (VIANA, 2007, p. 127).
Não à toa, o próprio artista figura entre as pessoas retratadas. É lindo e emocionante de se ver.
REFERÊNCIAS
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Editora Schwarcz, 1989. 294 p.
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Tradução: Alexandre Salvaterra. 1. ed. Porto Alegre: Bookman, 2011. 76 p.
VIANA, Maria Luiza. A experiência estética nos grafites e no hip hop como afirmação étnica e cultural dos jovens. Espaço urbano e afrodescendência: estudos da espacialidade negra urbana para o debate das políticas públicas. Henrique Cunha Júnior e Maria Estela Rocha Ramos [organizadores]. Fortaleza : UFC Edições, 2007.