A RUA DE MAXWELL ALEXANDRE

Jackson Araujo
6 min readApr 22, 2024

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ARTISTA CONFERE SENSIBILIDADE E BELEZA A PESSOAS MELANIZADAS

Na exposição "Novo Poder: passabilidade", o que “está em jogo é este novo poder: pertencimento, permanência e prazer”.

Adentrar o espaço da exposição “Novo Poder: passabilidade”, do artista carioca Maxwell Alexandre, pode levar a muitas reflexões.

Sobre a exposição em cartaz até 29 de setembro, no Sesc Paulista, pode-se dizer que entre muitos atributos, ela tem o poder de despertar a consciência do espectador sobre o racismo estrutural, que ali é desconstruído criativamente pela “caminhada segura e tranquila de corpos negros pelo cubo branco, este cumprindo a representação de um sistema de arte permeado de eurocentrismo, elitismo e violências contra algumas pessoas — dentre as quais as negras”, como coloca Luiz Deoclecio Massaro Galina, diretor do Sesc São Paulo, no texto de apresentação da exposição. Ainda segundo ele, o que “está em jogo é este novo poder: pertencimento, permanência e prazer”.

“Meu interesse em moda é antigo, perpassa minha vida e, evidentemente, a minha obra", diz Maxwell Alexandre.

Formata-se, então, um convite para reflexão sobre como a potência da arte de Maxwell Alexandre tem construído um ambiente de representatividade positiva para as novas gerações, que seguem inspiradas e seguras a fazer parte de uma realidade pautada pelos discursos e práticas da negritude. “Há identificação e projeção poderosas; toda a constituição corporal e mental do criador se torna o terreno da obra” (PALLASMAA, 2011, p. 11).

Na exposição, o artista aproxima moda e arte como “dois campos da cultura hegemônica ocidental que se consolidaram a partir da modernidade, cada um com suas especificidades, tendo como ponto em comum a forte influência que ambos exercem na construção de distinções sociais”, como destacado noutro texto apresentado no catálogo.

Torna-se importante reforçar que, por sua vez, a sociedade, em sua tradição conservadora, exclui e interdita diariamente sujeitos, por sua identidade étnico-racial e condições socioeconômicas. E a moda, reflexo do comportamento em sociedade, empenha-se em reforçar padrões de aparência e gosto. Criou o vício em observar o outro por meio da conexão com as aparências recíprocas, constituindo-se, assim, um aparelho de gerar juízo estético e social (LIPOVETSKY, 1989). Pois, tendo sido o primeiro grande dispositivo a regular aparências, estetizando e individualizando a vaidade humana, faz do superficial um instrumento de salvação e uma finalidade da existência, sob a perspectiva colonial excludente.

A arte de Maxwell Alexandre vislumbra a organização social e política dos sujeitos subalternizados, a população negra brasileira.

Ao se observar a produção cultural de arte de Maxwell Alexandre, colocando corpos negros em lugares de poder e tomada de decisão coletiva, identifica-se sua potência criativa transformadora frente ao ciclo de racismo que tem sido perpetuado nas estruturas históricas brasileiras.

Se é na integração do consciente, do sensível e do cultural que se baseiam os comportamentos criativos do ser humano, parece perceptível que esse deslocamento dos sujeitos periféricos proposto por Maxwell — processo político de ruptura com a exclusão social e subordinação à hegemonia ainda vigente na arte e na moda — encontre no vetor cultural e artístico a gênese do processo criativo, para a organização social e política dos sujeitos subalternizados, promovendo alternativas para desafios históricos da população negra brasileira.

No recorte da moda, sobre sua colaboração com a estilista Angela Brito em sua mais recente coleção, o artista declara:

“Meu interesse em moda é antigo, perpassa minha vida e, evidentemente, a minha obra. Ao meu ver, tanto a arte quanto a moda são duas plataformas que oferecem autoestima e dignidade ao indivíduo, mas que, ao mesmo tempo, subjugaram e sub-representaram certos tipos de identidades. Os dois campos reforçam e mantêm a distinção e o prestígio social de certas castas”.

Na passarela de Angela Brito, as pinturas de Maxwell Alexandre. FOTOS | Agência Fotosite.

Sobre a colaboração, pode-se afirmar que Angela e Maxwell usam sua criatividade para enriquecer o desfile com atuação política, a partir da mobilização de diversas linguagens, objetos culturais, histórias e experiências, a serem observados na coleção e nas quatro peças estampadas com pinturas do artista, inspiradas em herança ancestral e nas ruas como espaço de conquista da igualdade racial.

Em sua busca sobre novas formas de interação pautadas pelo respeito, empatia, complementaridade e alteridade, a exposição de Maxwell comunica o discurso das subjetividades negras, tocando em suas epistemologias e geografias, que sempre estiveram associadas a um contexto violento de marginalidade.

Pode-se dizer que há o intuito é estimular reflexões sobre novos usos e interpretações de matrizes do pensamento negro, permitindo, assim, a formação de novas redes intelectuais na produção do conhecimento etnográfico, reverberando em configurações de identidade e pertencimento.

Maxwell transforma o ambiente da galeria em lugar antropológico, onde a presença de relações humanas, de práticas culturais e de identidades atribuem significado e valor a um determinado espaço.

Nesse contexto de ruptura com o estabelecido, "Maxwell construiu toda a semântica de seu trabalho […] com materiais menos tradicionais da história da arte, dentre eles a tinta látex de parede, o polidor da sapatos e o relaxante de cabelo, o henê" , além do próprio uso do papel pardo, o artista declara: "Acho importante reforçar que essa decisão estética e o gosto por esses materiais não foram pensados conceitualmente, foram eleitos pela necessidade".

E é ocupando esse lugar de transgressão, que o artista se exercita, fortalecendo a ideia de que “tanto a moda quanto a arte se apresentam como um desafio à ideia colonial de que sensibilidade e beleza são elementos que não pertencem a pessoas melanizadas”.

As pessoas caminham pelo cubo branco da galeria como se desfilassem numa passarela ou em seus deslocamentos pelas ruas.

As pessoas que caminham pelo cubo branco da galeria, pintadas pelo artista como se desfilassem numa passarela, podem ser vistas em seus deslocamentos pelas ruas — seja da periferia, seja de centros urbanos pelo mundo–, sem medo, pois suas agências políticas foram construídas e são afirmadas no afeto e no compartilhamento mútuo de subjetividades por meio dos encontros e da heterogeneidade em contraponto à homogeneidade dos espaços de exclusão, como galerias e lojas de grifes, territórios detentores da renda e do poder que segregam o espaço urbano.

É assim que Maxwell transforma o ambiente da galeria em lugar antropológico, onde a presença de relações humanas, de práticas culturais e de identidades atribuem significado e valor a um determinado espaço, que no caso da exposição, pode-se vislumbrar que é a rua.

A arte de Maxwell Alexandre reforça a ideia nos jovens de “pertencimento”, quando suas subjetividades passam a definir suas posições no mundo.

Sendo assim, na exposição de Maxwell, o lugar antropológico — a rua reconfigurada na galeria — pode ser visto como um espaço de afirmação e resistência cultural, que busca romper com os padrões estéticos hegemônicos e valorizar a diversidade, permitindo às pessoas negras que circulam,

[…] se reconhecerem étnica e culturalmente e projetarem suas experiências cotidianas na cidade, através da atividade artística. […] reforça a ideia nos jovens de “pertencimento” quando suas subjetividades passam a definir suas posições no mundo (VIANA, 2007, p. 127).

Não à toa, o próprio artista figura entre as pessoas retratadas. É lindo e emocionante de se ver.

REFERÊNCIAS

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Editora Schwarcz, 1989. 294 p.
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Tradução: Alexandre Salvaterra. 1. ed. Porto Alegre: Bookman, 2011. 76 p.
VIANA, Maria Luiza. A experiência estética nos grafites e no hip hop como afirmação étnica e cultural dos jovens. Espaço urbano e afrodescendência: estudos da espacialidade negra urbana para o debate das políticas públicas. Henrique Cunha Júnior e Maria Estela Rocha Ramos [organizadores]. Fortaleza : UFC Edições, 2007.

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