A MÚSICA É O NOVO FUTEBOL

Jackson Araujo
5 min readSep 29, 2022

SÉRIE BRASILEIRA NA NETFLIX FALA DE AMOR COMO MICROPOLÍTICA

A banda Só Se For Por Amor: Giordano Castro, Filipe Bragança, Lucy Alves, Micael e Adriano Ferreira. FOTO Vanessa Bumbeers / Netflix

O amor é a arma mais poderosa e a música seu vetor mais valente de afirmação. Estamos falando da música como micropolítica, gerada no campo dos afetos, determinada por respostas produzidas a partir da relação das pessoas com o mundo ao redor.

Inicio essa pensata com a frase final do texto “O Amor em Tempos de Covid”, publicado em outubro de 2021. Quase um ano depois, com a covid em baixa, o amor — ufa! — continua em alta e serve de alento para tempos estranhos e para uma semana de ansiedade por conta da tão esperada eleição para presidente do Brasil.

E é nesse contexto que maratonei a nova série brasileira “Só se for por amor”, na Netflix, produzida por Georgia Costa Araujo e Luciano Patrick, da Coração da Selva. Recomendo muito, especialmente por que fala de amor do jeito mais simples que existe: cantando, com direito a todos os clichês possíveis — detalhe essencial quando se fala do amor romântico, da dor de corno, da primeira paixão, da descoberta do inesperado, de sonhar acordado sentindo febre com o corpo em temperatura normal.

Amor, música e brasilidade dão o tom da nova série da Netflix. FOTO Vanessa Bumbeers / Netflix

TESSITURA DE SOTAQUES

Tudo na série funciona. A começar pelo entrosamento do casting em sua mistura de sotaques e raízes culturais; uma delícia de se ver e ouvir. A série é estrelada pela paraibana Lucy Alves, pelo goiano Filipe Bragança, pela baiana Agnes Nunes, pelo carioca Micael, pelo mineiro Adriano Ferreira mais os pernambucanes Giordano Castro e Luiza Fittipaldi, que compõem a banda Só Se For Por Amor, o núcleo central do enredo de onde se desenrola toda a trama “inspirada no jeitinho brasileiro de amar e de sofrer, que vai além do amor (e corações partidos), falando também sobre ambição”.

A cantora Agnes Nunes em sua doce estreia como atriz. FOTO Vanessa Bumbeers / Netflix

De um jeito muito especial e único, a série aborda a energia musical brasileira como uma espécie de novo futebol, disposta a colocar em campo (em cena!), novos talentos que pipocam pelos diversos rincões do Brasil e acabam por representar o almejado projeto de sucesso, hoje tão difícil de ser alcançado, tamanha a proliferação de nomes em novas tecnologias "radiofônicas".

A força desse romantismo nacional vocalizado por meio do pop, do brega, do forró e do sertanejo é atualizado em feats e covers, que são destacados numa mixtape especial para matar a saudade das cenas cantadas disponível aqui no Youtube.

"Só Se For Por Amor" se passa em Goiás e conta a história do casal de músicos Tadeu (Filipe Bragança) e Deusa (Lucy Alves); ela da Paraíba e ele goiano. FOTO Vanessa Bumbeers / Netflix

Todas as versões dos hits selecionados para a trilha sonora são muito boas. Tem Anitta, Os Barões da Pisadinha, Zezé Di Camargo & Luciano, Banda Eva, Maiara & Maraisa, Marília Mendonça, Chitãozinho & Chororó, Pabllo Vittar, IZA, Fagner, Zé Ramalho, Rubel, Michel Teló e Roberto Carlos, numa espécie de compilação de momentos inesquecíveis do cancioneiro romântico brasileiro de várias gerações, pensada para viralizar.

Sem contar com as canções originais que dão personalidade ímpar para a banda, lugar onde as relações amorosas acontecem e desacontecem, sem deixar fios soltos na narrativa. A cena com a canção original “Te Amando de Longe” é épica em sua simplicidade ambientada num estacionamento de caminhões à beira da estrada, com as caras do Brasil na plateia entoando os versos e gravando tudo com seus celulares, num momento de grande fossa pela morte de uma estrela da sofrência, estabelecendo links com a partida inesperada de Marília Mendonça.

Tadeu (Filipe Bragança), que representa o sonho juvenil de fazer sucesso por meio da música. FOTO Vanessa Bumbeers / Netflix

RENOVAÇÃO DO GÊNERO MUSICAL

Falar de amor nunca foi tão urgente e necessário e essa série acontece num momento em que precisamos tanto de todos esses clichês de alegria, devaneios e fantasias. A grande inteligência da série reside em ambientar as problemáticas profundas do panorama cultural brasileiro mixadas às engrenagens do capitalismo e sua habilidade em pasteurizar talentos e fetichizar corpos, diluir sonhos.

A doçura de Agnes, a melodia da sanfona de Lucy e a força da postura de Luiza associadas à versatilidade musical do doce galã Filipe e dos outros rapazes que formam a banda renovam o gênero musical na produção audiovisual brasileira. “A premissa básica para a escolha o casting foi sobre atores que cantavam ou cantores que pudessem atuar”, conta Georgia, citando o nome de Adriano Ferreira, que começou na música gravando versões para o Youtube. Leve em suas atuações e cantorias, o casting fortalece a excelente condução das diretoras Ana Luiza Azevedo, Gisele Barroco e Joana Mariani.

Eva (Agnes Nunes) e Roberta (Luiza Fittipaldi): um amor temperado com música de rua. FOTO Vanessa Bumbeers / Netflix

“As músicas em sua grande maioria foram gravadas com voz e instrumentos ao vivo. Quase nada de playback”, completa Georgia, produtora da série que tem direção musical de Ricco Viana e Ruben Feffer e conta com consultoria de Paul Massey, o famoso sound designer inglês responsável pela gravação das músicas ao vivo nos filmes “Bohemian Rhapsody” (2018), “Rocketman”(2019) e “007: Sem Tempo para Morrer” (2021).

Não deixe de maratonar sempre tendo em mente a pergunta que conduz o roteiro: "do que vale a pena abrir mão para conseguir aquilo que você sempre quis?". Eu por aqui sigo querendo que o Brasil seja feliz de novo!

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