A MODA NA CONTRACORRENTE
HERCHCOVITCH E SEU ANTICONFORMISMO NA CASA DE CRIADORES
Por mais que se listem cores, texturas, estampas, materiais e inspirações veranis de Alexandre Herchcovitch, a sua apresentação na Casa de Criadores representa algo maior e que sempre desenhou sua trajetória: a presença na contracorrente.
Seu desfile é muito maior do que a praia. É sobre terrorismo cultural. É sobre estar dentro do sistema para promover a mudança por dentro. E isso, convenhamos, não é lá muito fácil quando se faz roupas apoiado por um grupo de moda, por empresas têxteis e com uma história profissional a zelar. É sobre correr riscos e se posicionar contra o óbvio, para além do confortável lugar no tão sonhado pódio almejado por tantas pessoas que estão chegando agora.
Sim, sabemos, é muito mais fácil romper com as conquistas quando se é um homem branco privilegiado. Mas essa deveria ser a essência a mover todos os criativos da moda: a ruptura nas mais diversas instâncias.
Se o propósito da moda é a autoexpressão, a ideia de que essa força ou energia a qual chamamos de moda se tornou, de certa forma, opressiva para a compreensão das questões contemporâneas, em que pessoas estão sendo tokenizadas sobre seu próprio gênero, corpos e racialidade em uma nova forma de comercialização, é realmente bastante enclausuradora. A moda deve ser o oposto: deve ser uma força de libertação. E a existência da Casa de Criadores é construída sobre esse pilar.
Quem acompanha com atenção a resistência de André Hidalgo com a Casa de Criadores sabe que tudo começou com um senso de curiosidade e inocência sem antecedentes. Sem escola. Sem professores. Sem fronteiras. Sem formatação. Gosto de pensar sobre esse espaço na perspectiva de um mundo que pode ser vivido e formatado pelos criativos, somente observando as suas vivências. Cada um dentro de suas próprias percepções. Com roupas brotando de mundos sem gênero, sem idade e sem limites, em que as pessoas acionam suas vivências sobre nação, raça, religião, seus lugares e momentos. Sobre suas subjetividades, portanto.
Assim, mais do que falar sobre as roupas elegantes, criativas e comerciais, a cartela de cores em tons baixos nada óbvias para um verão na praia, sobre materiais inovadores e tecnológicos, sobre estampas que resgatam florais de outras estações do próprio estilista e sobre os shapes que subvertem a lógica colonial do estilo império, é preciso olhar para a nova presença de Alexandre Herchcovitch como a afirmação da essência de seu estilo atemporal para indivíduos anticonformistas.
Em tempo: o macacão que mixa o (des)abotoamento da casaca de montaria com o seu apreço pelas roupas fetichistas é sem sombra de dúvidas a peça que resume tudo isso. Parabéns Marcio Banfi pelo styling preciso.