A MODA COMO RESISTÊNCIA POLíTICA

Jackson Araujo
2 min readApr 26, 2016

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Ronaldo Fraga, o cronista que faz da moda a tinta de comunicação para sua criatividade, puxa agora, no desfile que fecha a primeira noite da #SPFW41, um fio que tem muito a dizer sobre o mundo dentro e fora do prédio da Bienal, onde acontecem os desfiles até sexta, dia 29 de abril de 2016.

Os refugiados Nour Koeder, Alassane-Diaw, Fanny-Mudingayl, Leon Diab e Nawras Alhaiabi na passarela de Ronaldo Fraga. Fotos Zé Takahashi | Fotosite

Ao tecer delicadamente uma narrativa sobre a dura realidade dos refugiados que desembarcam no mundo todo em busca de dignidade, Ronaldo Fraga encontra nessa edição da SPFW o cenário perfeito para suas reflexões.

Nos corredores, desfilam jovens orgulhosos, os protagonistas de duas questões muito importantes para a evolução de uma sociedade mais justa. Estão eles, como os refugiados da passarela de Ronaldo, expondo pele, gestual, cabelo, beleza e vestuário no status de seu (nosso!) empoderamento cidadão.

Nunca se viu tantas meninas negras nos corredores da Bienal levando na cabeça lindas nuvens de cabelos crespos em dreads, tranças e cachos. Definitivamente, a chapinha já era.

Pelos corredores da Bienal, nunca se viu tantos meninos usando vestidos e saias derrubando com seu discurso as últimas fronteiras sobre as questões de gênero no guarda-roupa contemporâneo. Definitivamente, os padrões de masculino e feminino para meninos e meninas já não fazem mais sentido. Ufa!

Na passarela de Ronaldo Fraga, as questões políticas que redesenham os corredores da Bienal, estão perfeitamente representadas em roupas, texturas, manufaturas, tecnologias, bordados, tramas, fios de seda, elásticos e patches, fortalecendo a crença de que os verdadeiros criadores de moda são mesmo, como Ronaldo, cronistas de seu tempo.

Um tempo em que a produção em série dá ares de cansaço e a volta ao trabalho de ateliê e a construção de peças-únicas traduzem com primazia a importância do cuidado com o outro.

Exatamente como propõe Ronaldo em seu discurso performativo sobre Re-Existência, colocando em cena cinco refugiados que trazem na sua diversidade histórias de superação e esperança: a congolesa Fanny-Mudingayl, os sírios Nour Koeder e Nawras Alhaibi, o senegalês Alassane-Diaw e o palestino Leon Diab. Saiba mais sobre eles aqui.

Esse bravo ato de Re-existir proposto por Ronaldo também está representado na Bienal pela inspiradora exposição “Apolônias do Bem”, protagonizada por mulheres vítimas de violência doméstica que perderam seus dentes e recuperaram a dignidade de sorrir a partir do trabalho realizado pela ONG Turma do Bem. Metáfora perfeita para a busca da SPFW em seu exercício por uma relevância contemporânea da moda.

Nesses duros tempos em que discursos da extrema direita já ganham corpo no Hemisfério Norte e assombram as conquistas democráticas que as repúblicas sulamericanas lutam para dar continuidade, o desfile de Ronaldo Fraga serve como libelo pelo desejo de liberdade, afeto e Re-conexão, empurrando para bem longe os fantasmas da ditadura que assombraram Zuzu Angel e que alguns insistem em ressuscitar.

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